14/05/2008

Rumble Fish

"...este fica..."
O cinzento, esse tom que todos nós damos como certo, que o vemos, que mesmo o mais daltónico o distingue, é tão obscuro e fascinante para mim!
Certo dia fiquei intrigado com uma doença rara que desconhecia por completo, a incapacidade de sentir dor. Como será que assim se vive? Como se aprende o que magoa? A dor é indispensável à sobrevivência, é o sinal de alarme de que qualquer coisa nos pode lixar... É A RAZÃO DO MEDO!
A intriga surge por isto mesmo porque estes doentes têm que forçosamente aprender um conceito estranho, têm eles próprios que inventar um limite, têm que ser iguais entre iguais! Mas é falso, cheira e sabe a falso! E assim entendi o inferno do que levar uma vida teatral, o fingimento... e isso tolda-nos! Não que padeça desta mesma doença, antes pelo contrario, sou um parido dos diabos! Mas compreendo-os de certa forma....
No meu caso concreto, a questão não é tão física e directa, não me afecta a integridade, afecta-me sim a capacidade de decisão!
Para mim, a expressão "não é tão linear assim" não faz qualquer sentido, é vazia, não existe! Sei o que significa, também aprendi por força, ou melhor, à força, porque é o senso comum que impera, não quero andar desenquadrado! Mas ando....
Só vejo o Preto e o Branco, não há cá "zonas cinzentas", ou sim ou sopas, ou oito ou oitenta, ou vai ou racha... e outros adágios populares. Sou assim, não porque queira, apenas sou. E isto afecta-me socialmente, familiarmente, inconscientemente, fisicamente, visceralmente... Cerro os dentes e os punhos com a mesma facilidade com que sorrio
Mas como os outros, também eu "aprendi" a conhecer o intermédio das coisa, aprendo a controlar a dor do torcer do braço, mas não quer dizer que as compreenda, que as aceite! O meio-termo faz-me asco! Irrita-me! Soa a hipócrisia, a falso! Será que não entendem ou serei o único iluminado? Finjo não perceber o fim, apenas a intenção. É assim todos os dias. E calo-me... Como eu detesto ter razão!!!
Reflete-se no meu próprio ser, pois faz de mim uma coisa hedionda, radical e extremista! Mas não sou. Eu tento, eu represento, eu finjo ser o que não sou, finjo ver o que não vejo, finjo perceber o inconcebível, sinto-me só por vezes...
Tentei eu ver, pelo menos, o sacana do peixe vermelho, mas nem nisso encontrei o meio-tom... Tudo é antagónico! Tudo é contraditório! Que luta infernal!

Apenas tento viver o máximo na zona branca enquanto caminho a passos largos, e aterrorizado, para a zona preta. Sou incapaz de perceber que estou no cinzento e isso molda-me, afectando por vezes uma insignificante tomada de posição mais branda, mais moderada! FICO IRADO! Moderar o quê? Por muito que tente, sou mau actor, não acho o fiel da balança, chego mesmo a ser MAU. Apenas acabo por representar o célebre personagem do conto de fadas...
Mas também sou bom, bom demais, complacente e terno! Também tenho a capacidade de chorar, da inépcia e da letargia.Mas tudo são extremos. Não me defino, ando numa luta constante com o mundo... Ou será como o peixe que, quando vê a sua imagem reflectida, investe de guelras arqueadas? Quererei eu impor o meu território, a minha vontade inabalável, o meu pensamento linear? No fundo, até agora, continuo a marrar contra o espelho, contra a minha própria imagem, enquanto represento um filme fraco, cheio de falhas de argumento.

Assim sou eu, o Preto acre das bolinhas que sabem a podre, quase que execráveis mas apenas acessível a alguns, que se mistura com o fofo creme Branco-alvo, quase que angelical, mas que não passa de uma reles e malfadonha mistura de elementos pouco nobres e apenas possível pelo poder da física e química, na vã esperança que dê um Verdadeiro cinzento.

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